domingo, 24 de março de 2013

O verdadeiro sabor da infância...

Existem sensações e prazeres da infância que são verdadeiramente sentidos somente depois, nas lembranças de um adulto. Todas as vezes que passo pelo Buriti Grande tenho esta idéia.

Me estico todo para ver “A casa da Madinha”, um lugar mágico no qual eu, menino urbano, me infinitava. Corria solto pelas roças com uma turma de primos, tangia gado, comia manga e caju direto do pé, tocava boi na moenda do engenho de tio Zeca, bebia um litro (sim, um litro) de garapa de cana coada nos dentes... 

Lá eu aprendi a andar descalço pelos matos, arrependendo-me ao voltar no “pingo do meio-dia”, por não levar os chinelos e queimar a sola dos pés nas areias quentes. Fazíamos xixi e pisávamos em cima, para aliviar a quentura...

Lá ajudava meu avô, João Vieira, a fazer seus doces de buriti, em enormes tachos de cobre. Ele sempre esquecia algum ingrediente na cozinha e incumbia-me de continuar mexendo o tacho enquanto ia em busca do esquecido. Nesta ocasião, invariavelmente, roubava um grande naco de doce e engolia-o ainda quente... Hoje, desconfio que seus esquecimentos eram propositais... 

Lá quebrei meu braço, ao cair de um pé de jamelão, fruta que ainda hoje possui minha total predileção e que tem o verdadeiro sabor da infância... 

Lá escutava estórias de assombração, sentado no oitão, olhando assustado para os matos escuros que nos circundavam, esperando o instante e a hora do lobisomem aparecer para devorar a todos nós...

Lá tomava banho de cuia, com água tirada do poço...

Lá eu comia o delicioso beiju da Madinha, que acariciava a goma na frigideira com seus dedinhos mimosos, era mesmo que estar me fazendo um cafuné...

Tempo bom! Tempo que continua vivo em minha lembrança e que aflora todas as vezes que o ônibus atravessa aquela região.

A última visão que tenho é da cruz branca, no topo do morro em cujos pés encontra-se o mausoléu de meus avós. Terra sagrada, que abriga meus antepassados. Meu último pensamento? Olhando a cruz, peço “Bença Madinha!” e escuto sua vozinha suave: “Deus te abençoe, meu filho”...

domingo, 3 de março de 2013

O "prumodiquê?" deste blog


Recentemente iniciei minhas peregrinações para cursar um mestrado, distante 1.137 km de minha morada. Como estes deslocamentos se dão por transporte rodoviário, tenho dezoito horas em frente a uma janela, que descortina a verdadeira paisagem do sertão nordestino e abre as portas de meu imaginário para reflexões, lembranças e projetos (quando não estou mergulhado em algum livro, que também me descortina paisagens...).

E, como o grande Luiz Gonzaga já cantava:
"Mas o pobre vê nas estrada
O orvaio beijando as flô
Vê de perto o galo campina
Que quando canta muda de cor
Vai moiando os pés no riacho
Que água fresca, nosso Senhor
Vai oiando coisa a grané",
trago-lhes aqui algumas dessas viagens transformadas em idéias despretensiosas, apenas como um exercício de escrita e registro de minhas elucubrações, "oiando coisa a grané"!

Vem viajar comigo!




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O paradoxo da modernidade


Depois que o dia amanheceu, não consegui continuar dormindo. Abri as cortinas e fiquei admirando a paisagem que passava em minha janela.

Casinhas bucólicas e simples em campos secos (provavelmente cheios de pastagens quando a chuva assim o permite), cabras e cabritos espalhados, um poço (talvez seco), uma cerca velha e sinuosa. Pequenas veredas que torteiam pelo mato ralo, conectando as pessoas, ligando casas e localidades. 

Um pouco mais à frente, já chegando à metrópole, casas/barracos à beira de barrancos, sem as comodidades de energia elétrica, água encanada, sistema de esgoto e coisas do gênero.

Fiquei a pensar. Estava chegando a um centro de excelência em tecnologia, laboratórios digitais dos mais modernos, os grandes nomes da ciência da computação no Brasil, enfim, à vanguarda do “conhecimento tecnológico”. E pelo caminho, a miséria e a pobreza que podemos encontrar em qualquer parte deste nosso país...

Quando era criança, assistia a filmes futuristas em que os automóveis eram guiados por computadores, os homens usavam a ponta dos dedos para executar tarefas antes impossíveis e as cidades eram extremamente evoluídas.

Hoje, temos automóveis guiados por computadores que até cegos pilotam e usamos a ponta dos dedos para executar tarefas inimagináveis. Entretanto, as cidades não estão extremamente evoluídas... Não conseguimos (ou queremos) levar o progresso e a tecnologia a todas as pessoas nos mais distantes rincões de nossa “pátria amada, idolatrada, salve salve!” Fome, miséria, desemprego, violência, ignorância e tantos outros males vagam soltos pelos campos e pelas cidades. Qual o meu papel em tudo isso? O que fazer para que aquelas pessoas tenham acesso ao conhecimento que a internet nos proporciona? Como trazê-los até as infinitas possibilidades que o progresso tecnológico nos disponibiliza?

Desci do ônibus com um gosto amargo na boca e na alma...